Ele voltará um dia.

Ele voltará um dia.

Voltará para me dizer que eu não estava errada. Quererá mostrar-me tudo o que deixou de viver ao meu lado. Far-me-á recordar as noites frias. Aquelas noites que passamos junto à lareira. As mãos quentes que me aqueciam o corpo, arrepiado mais pela paixão, do que pelo frio.

Voltará para me dizer, com todo o seu saudosismo, que eu fui o seu único e verdadeiro amor.

E, com ele, voltará a nostalgia dos tempos em que se respirava felicidade dentro destas quatro paredes. Voltarão as saudades do que fomos. Voltarão as palavras que sopraste ao meu ouvido, aquelas velhas frases de amor. Palavras que, naquela época, me faziam trepar pelas paredes. Palavras que me consumiam com a dimensão da tentação, que tu punha nelas. Tudo isso é uma memória tão fresca em mim. É uma realidade que jamais foi esquecida durante todos estes anos.

Ele voltará um dia. Quando a sedução já não for a sua arma secreta.

Quando o seu sorriso perder o brilho. Quando o seu olhar procurar por uma paixão, nas ruas movimentadas da sua cidade e ninguém reparar nele. Quando se tornar invisível para o universo feminino. Quando o seu perfume de macho deixar de ser o odor que deixava espalhado pelas ruas, quando caminhava exibindo o seu corpo musculado que fazia sonhar qualquer gaiata que ainda não conhecia a vida.

Nesse dia, ele virá bater na minha porta, trazendo com ele a dor do abandono. Virá mendigando por um abraço e implorando por um beijo. Irá segurar na minha mão e dizer-me «eu sempre te amei miúda». Irá olhar para o presente, julgando que ainda está a conquistar a miúda que noutros tempos acreditava em todas as suas palavras.

Mas, nesse dia, ele irá ver que a tristeza passou a morar no meu olhar. Que os sofrimentos pintaram de negro o meu sorriso. Que deixei de viver no dia em que ele partiu. Que não sou a mesma amante que ele ali deixou.

Tornei-me num coração solitário. Aprendi a viver sem amor.

A verdade é que ainda não a fiz as pazes com a paixão. Porque, nas minhas veias, juntamente com o sangue, continua a correr a desilusão de ter sido trocada por outro amor. Um amor sem rosto, um amor que já conheceu tantos rostos. O amor que agora conheceu o sabor do desgosto e provou a dor do abandono.

Ele voltará e será nesse dia um coração mais solitário do que o meu. Porque eu, entretanto, aprendi a viver com a solidão e ele não saberá sobreviver longe da perdição. Talvez me peça perdão. Talvez se ajoelhe aos meus pés. Quem sabe se o amor que tenho e que não dividi com mais ninguém não voltará a gritar por ele! Afinal, continuarei viva, por muito que me sinta uma defunta.

Mas o amor poderá querer renascer. Poderá querer voltar a viver os seus momentos. Talvez ele insista. Só não posso prometer que o meu coração o aceite de volta. A ferida não sarou. O coração pode não querer este remédio para o curar.

Ele voltará um dia, mas encontrará a porta, deste velho castelo, trancada. Chamará pela princesa encantada que aqui vivia. Só que ela, entretanto, ficou surda e já mal entende a linguagem do amor. Talvez ele trepe pelas paredes, se as suas pernas ainda tiverem a força de outros tempos, para tentar ver se ainda existe vida neste outro lado do mundo.

Ele voltará, mas terá que aprender a viver com a realidade. Irá perceber que os amores são como as flores. Se não os regarmos, eles irão acabar por secar. E, hoje, eu sou esta flor murcha a quem o tempo roubou as cores da paixão.



@angela caboz

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