A BICICLETA AMARELA



Da janela do quarto vi-a estacionada junto à acácia, a bicicleta amarela. Estaria esquecida, ou seria a forma de te fazeres lembrado?
A tua fiel amiga, duas rodas que eram a companhia das horas de angústia, quando precisavas de arejar os pensamentos e pedir ao vento para te sacudir os lamentos, momentos em que de alma enegrecida procurava na natureza o perfume silvestre das flores de que não sabias os nomes, para elas te darem cor aos sentimentos.
Estranhei vê-la, sozinha e abandonada, junto da árvore que assistiu às histórias que ninguém sonhava que ali se tinham passado, só ela tinha sido nossa cúmplice.
O que faria ela ali? Dois amores abandonados e chorando juntos, sem saberem de ti. Poderia fazer-me companhia na tua ausência para não ficar só, ou seria um convite para te procurar?
Saí e fui ter com ela, uma lágrima tua dormia no guiador, sinal de que partida era recente, abracei-a, ela sorriu para mim, disse-me, vê a mensagem. Reparei na folha perfumada colada no selim.
- Venham ter ao paraíso, quero sonhar eternamente junto aos meus dois amores!
A minha lágrima juntou-se à que me esperava junto ao guiador, abraçaram-se ali mesmo as duas e lá fomos nós pelo campo florido ao teu encontro, no rasto do perfume e da música dos teus sentimentos.
Ela era a tua alma, eu levava o meu abraço e duas mãos que te queriam tocar, para te sentir.
As rodas tornaram-se asas e voávamos em direção aos teus sonhos, agora seríamos felizes os três, até ao fim do tempo da ilusão!

@angela caboz

este é um micro-conto meu que está incluido na colectânea "Palavras (Con)Sentidas" das Edições Vieira da Silva

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