Natal



Era uma vez uma criança, nascida numa família muito pobre , uma criança como qualquer outra, com pai, mãe e família, mas a quem faltava tanto do muito que sobrava ao mundo cruel que a rodeava. A criança que não tinha uma casa, a criança a quem faltava roupa para vestir e comida para comer.
Olhar meigo, corpo franzino, alma sofrida todos os dias percorria as calçadas já demasiado polidas da cidade que não a queria acolher. Deslumbrava-se quando passava na rua das vivendas grandes, cheias de luzes, jardim a perder de vista, piscinas que lhe pareciam o mar que ela nunca tinha visto, ficava ali parada junto aos muros altos, viajando pelo mundo que ela não conhecia, aquele mesmo mundo que nunca tinha reparado nela e nas suas necessidades.
Fugia da polícia porque a sua família se dizia perseguida por eles, era perseguida pelos guardas que julgavam que ela queria roubar, em suma fugia do mundo e o mundo corria atrás dela.
Quando foi para escola aprendeu a ler e aprendeu que era diferente dos outros. A ela faltava-lhe muito e aos outros, os meninos ricos, sobrava-lhes tantas coisas a que eles não davam valor.
Sentia-se sozinha, brincava no recreio com pedrinhas, enquanto os colegas tinham lindos brinquedos que ela não sabia que existiam. Vivia deslumbrada com o mundo à sua volta e o mundo tinha feito dela uma pobre abandonada, mais uma criança em que ninguém reparava.
Quando o Natal chegava sentia-se ainda mais sozinha do que era habitual. Todos lhe sorriam e ninguém a aquecia. O frio entrava-lhe pelos vidros partidos da barraca a que os seus pais chamavam casa. Quatro paredes feitas com telhas velhas que o pai trouxe de uma sucata abandonada, no meio de um pinhal e a que a mãe deu alguma cor e conforto usada tudo o que lhe ofereciam por esmola. 
Naquele casa nunca o pai natal tinha entrado e ela julgava que era porque ele tinha medo de se aproximar da barraca e também porque ali não havia chaminé. Por isso nunca teve presentes, e só conheceu essas realidades quando as aulas recomeçaram e viu os seus colegas com brinquedos, roupas e sapatos novos, quando tudo nela continuava a ser velho demais para que alguém olhasse para ela.
No entanto, não se considerava uma criança infeliz. Nada tinha era um facto, mas os pais tentavam dar-lhe a única riqueza que tinha, o amor e faziam os possíveis e impossíveis para que esse nunca lhe faltasse. 
Por isso, quando as aulas recomeçaram e viu todo aquele luxo que os colegas exibiam, prometeu a si mesma que no próximo ano iria escrever ao pai natal. Já estaria no 2º ano e ser-lhe-ia mais fácil escrever uma carta sozinha, sem ter que pedir ajuda a ninguém.
Até já sabia o que iria pedir ao pai natal. Ia pedir-lhe que arranja-se uma casa a sério para os seus pais, eles começavam a estar velhotes e precisavam de mais conforto. Ia pedir-lhe também ajuda para que o pai arranja-se um emprego menos duro e onde pudesse ganhar um pouco mais, para que a mãe pudesse deixar de fazer limpezas nas casas das senhoras ricas. É que a mãe era doente e não se podia esforçar tanto.
Ela só precisava disso e de uma casa nova e confortável onde o Inverno não fosse tão frio. Iria começar a portar-se bem, desde já e estudaria muito para poder ter boas notas, não queria que o pai natal arranja-se desculpas para não lhe dar as prendas que ela pedia.
Ela era uma criança diferente das outras, nada pedia para si e contentava-se com tudo o que recebia. Talvez por isso na escola andasse sempre sozinha, é que ninguém a compreendia. 
Estudou o ano todo, teve melhor notas que os meninos que tinham tudo. Trabalhou em casa para ajudar os pais, fez mais do que a idade lhe permitia. Nada mais pediu durante todo o ano, porque sabia que ninguém lhe poderia dar o que ela sonhava. Ter comida já era uma prenda enorme para ela, roupas era algo que não entrava nos seus sonhos, bastavam-lhe os trapos usados que davam à sua mãe e que ela vestia como se fossem roupas novas. Passou frio no Inverno e calor no Verão, e quanto o Natal regressou enfeitando as ruas da cidade ela viu que nada tinha mudado, era a mesma menina franzina, com um olhar meigo a quem faltava tudo. 
No dia de Natal ficou à espera da meia-noite com a esperança de que o pai natal a pudesse ter escutado. As horas passaram e nada, ele não passou por ali. Os seus sonhos eram isso mesmo apenas sonhos, que lhe continuariam a fazer companhia no próximo ano. Talvez um dia, com muito trabalho ela pudesse realizar o sonho aos seus pais, até o Natal para ela seria apenas mais um dia na sua vida, quem sabe mais triste ainda do que os outros dias do ano. 
Foi dormir sem o sorriso que lhe pertencia e no dia seguinte quando acordou viu junto à sua cama uma caixinha pequena com um laço vermelho enorme. Com os olhos a brilhar e um sorriso ainda maior do que o habitual abriu a caixa e lá dentro encontrou um chocolate em forma de coração, que a mãe com muito esforço e também muito carinho lhe tinha comprado. Ficou a olhar para aquele simples presente e sentiu tão feliz, naquele chocolate, a que muitos meninos não dariam atenção, estava todo o amor que a mãe tinha por ela. Aquele presente era para ela uma riqueza, foi a correr até à pequena cozinha, onde a mãe tentava dar o seu melhor para fazer um almoço de Natal, e deu-lhe um abraço apertado. Ficaram ali, assim abraçadas.
Esta sim seria a melhor foto de Natal que poderíamos mostrar ao mundo, que mal olha para elas quando passam na rua. Este sim é um Natal onde tudo o que têm para oferecer é amor.

@angela caboz  


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